“E hoje em dia, como é
que se diz: eu te amo?”
(Renato Russo)
Martín é um
jovem descrente do amor, tratado por seu psiquiatra como um suposto fóbico em
recuperação. Quase não sai de casa, e quando faz isso, não usa transportes
coletivos. Sua vida é limitada e circunscrita a um curto espaço desde a ruptura
de uma relação amorosa estável, que findou após a ida de sua namorada para os
Estados Unidos. Ela havia jurado a ele que voltaria, o que não aconteceu. Ao
invés disso, ligou de lá dando fim ao namoro.
Os anos se
seguem sem que Martin consiga dar sentido a essa perda, ou mesmo entender que
ela não tem sentido. Seguem sem que ele consiga fazer um trabalho de luto pela
partida da pessoa amada, de quem herdou
a cadelinha deixada a seus cuidados, que o faz lembrar dela o tempo todo. Ele procura em vão encontrar nas
outras garotas substitutas da ex-namorada, e seus breves relacionamentos
fracassam, pois ele não se mostra disposto a vivenciá-los intensamente.
Mariana é
uma bela e doce arquiteta que vive amores nômades. Amores que vem e vão num
circuito repetitivo e cujo final sempre a remete à uma frustração. Sente-se
rebaixada enquanto objeto amoroso, usada pelos homens que dela se aproximam,
quando na verdade é ela que não consegue jogar o jogo do amor, cuja regra versa
em torno do respeito à diferença e ao limite do outro.
Se amar é
dar o que não se tem a quem não o quer, como diz Lacan, Martin e Mariana
formariam, caso se encontrassem, o par sintomático do obsessivo que dá tudo
para que nada lhe peçam com a histérica que não
se contenta com nada que o outro lhe oferece, para manter o
desejo insatisfeito. Mas eles não se encontram, porque estão imersos em suas
próprias ignorâncias esperando por um pouco da afeição alheia, sem mostrarem-se
receptivos a ela.
Existe ,no
entanto, um traço que os une: a solidão. Este traço é metaforizado quando
Mariana encontra Martin vestido com uma camisa listrada em vermelho e branco,
cores de seu time de futebol e que a remetem a um livro infantil. É o traço,
grosso modo falando um “mal necessário”, que permite o encontro. Me pergunto se
não seria este mesmo traço um “bem necessário” ou mesmo “bem (no sentido
quantitativo) necessário” para que tal encontro se dê.
Renato Russo
nos diz que quando se aprende a amar, o mundo passa a ser seu. Essa frase nos
remete a Freud, que alerta sob o quão forte fica uma pessoa quando está segura
de ser amada. Amar e ser amado, de fato, ilude, porque é o que se coloca como
suplência da ausência da relação sexual, da “cara-metade”, da “tampa da
panela”.
O que vemos atualmente,
entretanto, é uma ilusão irredutível de completude, uma incapacidade de lidar
com a presença do ser amado enquanto falta. Em seu livro “O amor líquido”, o
sociólogo polonês Zigmunt Bauman nos fala da fragilidade dos laços afetivos na
pós-modernidade, manifestada sobretudo pela busca incessante de parceiros em
salas de bate-papo da web, em detrimento ao encontro pessoal, que não prescinde
do olhar. Ora, é muito mais fácil “dar um Ctrl + Alt +Del” no outro do que ter
de se explicar a ele quando as coisas não vão bem.
Nessa
direção, caminha-se para o gozo mortífero do “antes só do que mal acompanhado”
e do “antes mal acompanhado do que só”. E daí segue-se para um deserto de amor
ou para um “excesso de amor” que ofende e mata o próprio amor. O resultado é a
insatisfação, não pela perda da partida disputada, mas pela perda por W.O.
Descrença no
amor, amor nômade e amor líquido são todos nomes do amor na contemporaneidade.
Amor em tempos de gozo, tema abordado na XIX Jornada Anual da Escuela de la
Orientacion Lacaniana, e que produziu uma obra de mesmo nome.
No que tange
ao gozo, Lacan nos diz que só o amor é capaz de fazê-lo ceder ao desejo. Desse
modo, a maneira de dizer “eu te amo” hoje em dia parece inequívoca. É com a
língua que fazemos isso. Na dimensão erótica, de vida, da linguagem e na
disponibilidade de nos colocarmos diante das trocas que dela advém.
Referências Bibliográficas
XIX Jornadas Anuales de la EOL – El Amor en Los Tiempos del
Goce: Qué Responden Los Psicanalistas – Colecion Orientacion Lacaniana, 2011
ALOUCH, Jean – O Amor Lacan – Rio de Janeiro: Companhia de
Freud, 2010
BAUMAN, Zigmunt – O Amor Líquido: sobre a fragilidade dos
laços humanos – Rio de Janeiro: Jorge Zahar,2004
LACAN,Jacques – O Seminário – Rio de Janeiro: Jorge Zahar
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