A FUNÇÃO DO CARTEL
por Cláudio Arnoldi
O texto que segue tem por objetivo elucidar um tema tão debatido no atual contexto da Escola Freudiana de Psicanálise do Rio de Janeiro, quer seja: a função do cartel enquanto sustentadora de uma praxis que visa o ato analítico, suposto por Lacan como o "momento seletivo em que o analisando passa a analista" .
O cartel do passe
Na ata de fundação da Escola Francesa de Psicanálise, o mesmo Lacan¹ afirma que o ingresso na instituição se dá por duas vias de acesso, sendo a primeira:
" O grupo constituído por escolha mútua segundo o ato de fundação, e que se chamará Cartel, apresentando-se para minha aprovação com o título do trabalho que cada um tencione levar adiante nele."
A razão de ser de uma Escola consiste no final de análise e encontra seu fundamento no passe, que percorre a fronteira entre o particular de uma análise e o universal da formação. A lógica que rege o funcionamento da Escola pressupõe a psicanálise em intensão, coexistiva ao passe e em extensão,que a presentifica no discurso social. O órgão base dessa Escola, enquanto transmissão de um saber sobre o desejo, é o cartel.
Juntamente ao estudo teórico e à análise pessoal, o cartel se impõe como um dos dispositivos necessários à formação do analista, sendo três o número mínimo de membros para que ele opere, cinco o máximo e quatro o ideal. A esse respeito, Cabas² ressalta que o ponto de partida é o numero 0, e que Lacan o define como o "número que corresponde à presença do sujeito", e afirma que a conta para obter o número 4 consiste em uma série de repetições do 0.
O Mais-Um
Uma vez entendido que no cartel o sujeito põe seu particular e responsabiliza-se, como é de se esperar, pelo seu percurso, convém ressaltar que o Outro, entendido enquanto campo da linguagem, pressupõe um ponto de a-subjetivação. Esse ponto é encarnado pelo Mais-Um enquanto função na medida em que ele promove uma assimetria no cotidiano do cartel ao confrontar o sujeito na sua relação com o saber.
Cabe ressaltar que muito embora possa ser encarnado por uma pessoa ( da qual se exige uma desidentificação narcísica ao produto de trabalho do cartel), a função do Mais-Um se define enquanto uma presença simbólica, podendo ser ocupada, por exemplo, por um texto-base, um livro, ou mesmo extratos de um caso clínico. O que está em jogo aqui, como se disse, é a relação do sujeito com o saber que se produz, ,no sentido de viabilizar que a questão que o move possa ser interpretada sob o estatuto de um escrito.
No atual momento vivido pela nossa Escola, concebe-se a formação dos cartéis como fundamental para a sustentação das transformações que se fazem necessárias à mudança de direcionamento clínico e convocam cada um de nós a construir seu percurso regido pela ética do desejo. Impasses hão de surgir nesse processo e não apenas são esperados, mas entendidos como parte dele e, se bem manejados, fundamentais para o progresso da instituição.
Um comentário:
Acredito que o Mais-Um seja um dispositivo no cartel, exatamente para provocar o movimento, seja ele por concordância (transferência positiva) ou conflito
(transferência negativa). É a partir desses movimentos que se manifestam os sujeitos, apontando para o desejo que os move, representados no lugar que ocupam ou querem ocupar, seja no Cartel ou na própria Escola. Cada um, da sua maneira, responderá pelo seu percurso.
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