domingo, 16 de setembro de 2012

Lugares da Escola e questões sintomáticas

O texto que segue, enquanto proposta de enriquecer o debate inciado no Grupo de Trabalho Lugares da Escola, tem como foco as questões sintomáticas nas instituições psicanalíticas.

A primeira dessas questões diz respeito à instituição enquanto lugar de produção. Ser membro de uma Escola de Psicanálise pressupõe o desejo de sê-lo. Desejo este que, por sua vez, remete a uma falta, que mobiliza o sujeito a produzir. Portanto, não se está de fato numa Escola se não há produção, e quando se diz produção, não atem-se exclusivamente à elaboração de textos, mas à sustentação do discurso e da clínica psicanalítica.

Nessa intenção, cabe abordar o segundo item das questões sintomáticas nas instituições, que diz respeito ao lugar de cada membro testemunhado pela sua produção. Lacan ² adverte que nada será poupado para que tudo o que os que vierem para a Escola fizerem de válido tenha a repercussão que merecer, e no lugar que convier.

Os Grupos de Estudo e Seminários oferecidos pela Escola visam propiciar a transmissão psicanalítica, mediante leitura e discussão de textos freudianos e lacanianos, o que não impede que outros autores possam ser utilizados nesse processo. Junto à formação teórico-clínica, a análise individual e à supervisão, esses grupos constituem requisitos para a formação em psicanálise.

É no Cartel, entretanto, que cada um pode recortar sua questão pessoal e a partir daí construir um saber acerca dela, saber esse que se reverte em produção para a Escola da qual se faz parte. Neste sentido, cabe citar Jimenez³, que diz:

“O cartel é considerado por Lacan como a célula base da Escola,pois obedece à sua lógica: a falta de um saber constituido e totalizador,permitindo a elaboração pessoal de cada um, e o vínculo particular de cada sujeito com a Escola a partir do seu desejo e de sua relação com a clínica psicanalítica”.

A Secretaria de Cartéis da EFPRJ tem como objetivo orientar o funcionamento dos mesmos e zelar por sua produção, daí a preocupação da mesma para que, em algum momento, à leitura possa ser acrescida uma escrita que articule o desejo de cada um com seu lugar na Escola.

Outra questão crucial diz respeito aos temas abordados nos cartéis. Há que se ter rigor e não rigidez no que diz respeito ao que se propôe como objeto de estudo. Ao longo da construção da clínica e do saber psicanalítico, Freud procurou ser bem cauteloso no que diz respeito a articular seu conhecimento com outras áreas, ciente do risco da psicanálise deixar de existir enquanto tal. Esse foi, inclusive, um dos motivos de seu rompimento com Jung, que preferiu se enveredar pelos caminhos do ocultismo. Apenas com Lacan foi possível um diálogo com a filosofia e a linguística, uma vez que a base da teoria e da clínica psicanalítica já lhe haviam sido dadas por Freud. Estamos todos num processo incipiente de construção do saber analítico. É preciso humildade para reconhecer isso. Logo, no momento em que os cartéis são a via de entrada na instituição e de produção para que esta funcione na lógica de uma Escola, há que se ter critério na escolha de temas para estudo.

Por fim, a questão da análise na instituição. Ao longo do meu percurso dentro da psicanálise, ouvi certa vez em algum lugar que não se “pega” o sujeito pela mão durante o tratamento, mas sim pelo pé. É nas formações do inconsciente que o analista encontra material para equivocar o sintoma e fazer com que o paciente ouça sua própria mensagem de maneira invertida. Sabemos por Lacan que a ética em psicanálise não visa outro bem que não o bem- dizer.Bem dizer o seu sintoma. Segundo SANTOS e ELIA, não basta dizê-lo, é preciso dizê-lo de tal forma que a posição do sujeito do sintoma em questão mude. Portanto,nosso papel enquanto analistas ou candidatos consiste em auxiliar o paciente nesse percurso, respeitando obviamente o tempo de cada um e o nosso próprio, de modo que estejamos inseridos na ética do desejo em nossas clínicas e análises pessoais.

Implicar-se cada vez mais no processo analítico ao invés de implicar com ele é o que advém de um percurso regido pela ética do desejo e pelo entendimento do mesmo enquanto falta, que por sua vez está colocada para todos, independente da resistência que todos nós temos em lidar com ela.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

¹ LACAN, Jacques. Ato de fundação in Outros Escritos – Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003

²IDEM

³ O Cartel: conceito e funcionamento na escola de Lacan. JIMENEZ, Stella (org). – Rio de Janeiro:Campus, 1994

SANTOS, Kátia Wainstock A., ELIA,Luciano. Bem-dizer de uma experiência in Psicanálise,Clínica e Instituição – Márcia Mello e Sônia Altoé (orgs) – Rio de Janeiro:Rios Ambiciosos, 2005.

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